segunda-feira, 13 de junho de 2011

Quem tem medo de Ana de Hollanda?

Na última semana, falamos sobre as verbas do MinC, seus projetos de fomento à produção criativa e sobre os jogos políticos entorno destas verbas. Como prometivo, nesta postagem falarei sobre Ana de Hollanda, a atual Ministra da Cultura.

Para chegarmos próximos à resposta de uma pergunta que toda a classe artística tem feito nos últimos meses: Será que a nova ministra da cultura é capaz de trazer o Minc e suas políticas de encontro à proteção, valorização dos artistas e no combate à miséria instalada para o nosso setor? - precisamos entender quem é Ana de Hollanda.

Vou buscar seu histórico administrativo na área da Cultura, mas também seu trabalho como artista. Claro que farei comparativos das políticas e dos Ministros anteriores para entendermos o por quê da sua gestão ter sido atacada logo na primeira semana da sua nomeação, após seu discurso de posse. À partir daí, vamos começar a entender quem tem medo de Ana de Hollanda.

Como artista Ana de Hollanda passeia nas áreas cênicas e de música. Atriz, diretora e dramaturga. Compositora, intérprete e diretora musical. Transita na interpretação e na criação. Ministrou cursos e oficinas de canto e interpretação. A competência é genética. De berço culto. Maior ainda, como artista que sou, sua humildade me inspira.
Ana de Hollanda poderia ter se fixado no Rio (berço das parcerias e da visibilidade do show business) e ter seguido carreira de trilhas sonoras de novelas da Globo, impulsionada pelo sucesso do seu irmão Chico Buarque. Mas, não. Voltou-se mais às políticas públicas de fomento e se misturou à gente. Dirigiu o Centro Cultural de São Paulo (1983 a 1985) e assumiu a Secretária de Cultura do município de Osasco/SP (1986 e 1988).

Foi à fonte do problema da cultura brasileira - as políticas públicas. E comprometeu sua carreira artística a promover mais cultura a todos e mais valor ao artista criador.

Entre 2003 e 2007, com a Funarte na presidência de Antônio Grassi, Ana de Hollanda dirigiu o Centro de Música da Funarte e reativou a função da casa que se encontrava em total abandono e descaso político. À partir da sua chegada, projetos de música como Pixinguinha foram retomados. Os Editais começaram a ser publicados para as áreas de música erudita e popular, contemplando, inclusive, diversos segmentos artísticos, além da música. Antônio Grassi e Ana de Hollanda compartilhavam do mesmo sentimento em relação à Funarte e a reergueram juntos.
À frente do Centro de Música da Funarte, Ana já começava a incomodar, quando apresentou o processo de construção da Câmara Setorial de Música, em 2005. O plano visava a criação de uma cultura institucional do Estado de garantia dos Direitos do Autor.
Dentre as propostas, a criminalização da inadimplência de TV´s e rádios que não obedeciam a Lei do Direito Autoral com penas, inclusive, de perda da concessão. Pedia, também, maior rigor no combate à pirataria. E exigia do estado a responsabilidade de educar o povo brasileiro quanto ao respeito do Direito Autoral. Claro, não poderia durar muito sua administração.
Subordinados à Gil (o ministro das turnés internacionais, mais presente em palco que palanque) se tornava nítida a dissonância entre o discurso da Funarte e o discurso do MinC.
Então, em dezembro de 2006 Antônio Grassi é demitido por Gilberto Gil (ainda Ministro da Cultura) num ato covarde e anti-ético - soube Grassi da sua demisssão através da imprensa.
Com a demissão de Antônio Grassi, Ana de Hollanda deixa o cargo por ética, já que havia sido convidada ao cargo, por Grassi. E o programa Câmara Setorial de Cultura coordenado por ela, ficaria, então esquecido no papel.
A conturbada decisão de Gil traz insatisfação em todo o órgão que, em seguida entra em greve trazendo problemas sérios para seu presidente indicado por Gil, Celso Frateschi que pede demissão menos de 1 ano depois de assumir o cargo. Motivo? Em nota à imprensa ele diz: "Quando a gente tem um superior em quem a gente não tem tanta confiança, a gente pede demissão" - se referindo ao Ministro Juca Ferreira. Mas um escândalo, onde a companhia de teatro que ele fundou em São Paulo havia conseguido, em 6 dias, aprovação do MinC para captação de verba, além da Carta dos Servidores da Funarte pedindo "socorro" ao Ministro, teriam sido os reais motivos da sua saída.

Enquanto isso, o Ministro Juca Ferreira, sucessor e ex-secretário de Gilberto Gil (ambos PV), estava muito mais preocupado com a tal comunidade digital, Creative Commons, produtores culturais que qualquer outra coisa. Desestabilizar o processo da Funarte foi só um recado àqueles que queriam trabalhar em comunhão com os desejos da classe artística. Por intermédio dos assessores de imprensa disseram: Caso encerrado.

Assim levou-se a re-edição da Lei de Direito Autoral, sem questionar qualquer artista criador, à Casa Civil, no final de 2010. Um projeto arbitrário e de entendimento confuso que dava margem à apropriação indevida de obras, através da decisão soberana do Estado, confiscando-as, inclusive, de herdeiros e titulares.

Tal qual o projeto de revisão de lei, a manobra tinha um patrono coletivo que se denominava sociedade civil organizada, gestores culturais, comunidade digital, todos resumidos a uma única sigla - PCult . Marchando virtualmente, articulando-se por todo o país, a sigla que não merecia um tratamento de partido político, fazia política coletiva agregando deputados e senadores de vários partidos. A troca era clara: comprometam-se a colocar em pauta nossas exigências e promoveremos seus nomes em campanha. Assim foi com Juca Ferreira. A campanha #ficaJuca começou assim que Dilma foi eleita. Por trás da campanha, militantes aparelhados do PCult.

Quando em janeiro de 2011, Dilma Rousseff anuncia Ana de Hollanda para a pasta, o banho de água fria despertava a ira daqueles que trabalharam anos para manipularem o MinC como bem quisessem. As portas do "empoderamento do PCult e seus coletivos afiliados" estariam fechadas e novas políticas já se estabeleciam logo aos seus primeiros atos, logo em seu discurso de posse:
"Tudo bem que muita gente se contente em ficar apenas deslizando o olhar pela folhagem do bosque. Mas a folhagem e as florações não brotam do nada. Na base de todo o bosque, de todo o campo da cultura, está a criatividade. Está a figura humana e real da pessoa que cria. Se anunciamos tantos projetos e tantas ações para o conjunto da cultura, se aceitamos o princípio de que a cultura é um direito de todos, se realçamos o lugar da cultura na construção da cidadania e no combate à violência, não podemos deixar no desamparo, distante de nossas preocupações, justamente aquele que é responsável pela existência da arte e da cultura. (...) Mas, volto a dizer, e vou insistir sempre: com a criação no centro de tudo. A criação será o centro do sistema solar de nossas políticas culturais e do nosso fazer cotidiano. Por uma razão muito simples: não existe arte sem artista."

O ameaçador discurso fazia rugir os leões que temem Ana de Hollanda. Todos espremidos numa mesma arena centralizadora das mobilizações de imobilização do MinC - o PCult.

E COMEÇA A LUTA...

1º ROUND - CREATIVE COMMONS
Em seu primeiro ato, Ana de Hollanda retira a propaganda do Creative Commons do site do Minc, substituindo o selo CC pelos dizeres: "Licença de Uso: O conteúdo deste site, vedado o seu uso comercial, poderá ser reproduzido desde que citada a fonte, excetuados os casos especificados em contrário e os conteúdos replicados de outras fontes."
Legalmente, mais apropriado ( inclusive por abrigar conteúdo de terceiros), o MinC não poderia usar de uma licença única para todo o seu conteúdo. A retirada do selo Creative Commons é o primeiro nocaute nos articuladores do PCult.
"O dono da obra, o autor, escolhe qual a forma para ceder ou não sua obra. Pode liberar sem custos, permitir para um uso específico. Isso depende do autor e ninguém vai ser impedido de usar. Quem usava vai continuar usando, sem problema nenhum." - responde Ana de Hollanda às primeiras críticas. E ela estava certa. Em Lei o autor autoriza a liberação da sua obra como quiser, sem precisar do selo Creative Commons para tal.
Neste episódio, circulou na rede sua demissão que dava lugar a Tom Zé na pasta com a campanha: "Agora é pra valer: Tom Zé no Ministério da Cultura". Uma brincadeira sem graça e oportunista, descredibilizada pelo próprio Tom Zé após ser acordado em plena madrugada por meia dúzia de desocupados que gritravam seu nome em frente ao seu prédio em São Paulo: "Soube dessa pilhéria agora e fui dormir", disse o artista.
2º ROUND - REFORMA DA LEI ROUANET
Sobre a Reforma da Lei Ruanet, foi enfática: “Favorecia muito mais o produtor e o patrocinador do que o público.”
E resolve tirar o projeto de reforma da Lei Rouanet da gaveta de Juca Ferreira e levá-lo adiante.
Como reflexo, outro golpe: o caso Bethânia tiraria o foco do debate da ministra para um possível desvio de conduta - o do favorecimento de artistas consagrados em sua gestão. Tá, como se Bethânia fosse a primeira artista consagrada na história da Rouanet a aprovar projeto de captação.
3º ROUND - REFORMA DA LEI DE DIREITOS AUTORAIS
Ana de Hollanda entra na Casa Civil e retira o projeto da mesa para nova revisão da revisão sugerida por Juca com apoio do PCult. Convoca juristas e artistas para leitura aprofundada do texto e decreta nova revisão. Eu, particularmente, disse comigo mesma: graças à Deus!
Imediatamente, uma campanha na internet intitulada #ForaAna mobilizava pontos de cultura, fóruns e coletivos. Até o nome de Dilma Rousseff entra na nova pilhéria e rumores na imprensa começam a circular a falsa informação de que a Presidente estava descontente com a ministra.
Compraram a campanha os veículos da Globo, principal acusada num processo milionário de inadimplência movido pelo ECAD.
Claro que o ECAD seria a seguinte vítima dos articuladores da campanha #ForaAna. E o PCult se reúne com o Senador Randolfo Rodrigues (PSol) para a abertura de uma CPI contra o ECAD.
Denúncias de que a Ministra estaria privilegiando o órgão não demoraram a despontar na língua de jornalistas como Luis Nassif autor de postagens como esta pelo O Globo:
Ana de Hollanda nomeia advogada ligada a representante do Ecad para o MinC e indica que vai abandonar a reforma da lei de direito autoral

É dele a mais dura campanha pelo O Globo para desmoralizar o Minc e sua atual gestão.
Mas não só jornalistas como ele embarcaram na caravana do sucesso. Ou seria, do sucessor. O ator José de Abreu comprou a briga até o fim da farra. Queria a pasta, a presidência da Funarte, a Secretaria Executiva e virou casaca declarando, publicamente, sua retirada de apoio à Ministra.
Logo chegaram denúncias de uso indevido de verba. Seria o uso indevido de diárias para finais de semana em que a ministra não estaria trabalhando no Rio (cidade onde reside hoje). Por maldade articulada, a denúncia chegaria aos jornais num final de semana, pegando a ministra em casa. Será que ela não trabalhou, assim que abriu os jornais? Claro que sim, mas devolveu todas as diárias enquanto esteve no Rio, mesmo trabalhando informalmente.
E, enquanto os holofotes centravam nas denúncias da mídia, na luta por cargos entre petistas como José de Abreu, eis que Dilma chega e põe fim à pilhéria coletiva após um lastimável episódio reproduzido na íntegra por dezenas de veículos de todo o pais: Criticada, Ana de Hollanda deixa Assembleia (Legislativa de São Paulo) sob escolta.
No momento em que a ministra se propõe ao debate presencial com a classe artística paulista, a articulação dos desajustados promoviam um confronto digno de novela política italiana.

Foram meses turbulentos, onde qualquer executivo de cargo público mais frágil teria pedido demissão e saído pela porta dos fundos. Mas não Ana. Encarou denúncias, enfrentou os leões, os baderneiros, os produtores culturais, O Globo, manifestantes ensaiados no empurra-empurra e saiu da cena. Não por muito tempo, não sem abaixar a cabeça para se proteger dos desajustados mentais que a esperavam para uma boa foto de humilhação pública, tal qual na música Geni.

Se Ana de Hollanda, a primeira mulher ministra da cultura, aguentará o jogo sujo da política que hoje vaza de cá pra lá também, não saberia responder. Eu  talvez tivesse desistido - era o que pensava enquanto me colocava em seu lugar no final do terceiro round, antes da classe artística acordar e começar a manifestar apoio à ministra publicamente. Afinal, ela estava nessa briga por nós.
Se seu trabalho será concluído afim de nos mostrar um panorama do que sua gestão pode nos provar em competência, com o tempo que o poder lhe garantir em exercício de trabalho, só o próprio tempo poderá responder.
Se a luta na arena terminou? Ah, tenho certeza que não. Enquanto ela mostrar empenho em mudanças significativas para a classe criadora, sua paz será diariamente ameaçada.

Um sentimento tenho: se Ana fica, a política cultural tem uma séria promessa de renovação.
Se Ana cair, os leões farão seu banquete completo, mais dia, menos dia. Nós artistas, somos o prato principal.

Uma súplica democrática deixo aqui: DEIXEM A MULHER TRABALHAR, CAMBADA DE VAGABUNDO!
Desculpem o desabafo, mas situações cínicas como estas, me tiraram o sono, a esperança na democracia e a paciência, nos últimos meses.

Na próxima semana falarei mais sobre a Lei de Direitos Autorais e sobre sua reforma. Por que queriam modificar uma Lei, antes mesmo de trabalharem a conscientização dos jovens autores sobre seus direitos através dela? Interessante pergunta, não?



Fontes:

http://www.alomusica.com/entrevista/ana+de+hollanda.shtml
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2008/10/06/celso_frateschi_deixa_funarte_dizendo_que_seu_compromisso_era_com_gil-548575787.asp
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2008/10/05/leia_manifesto_enviado_por_servidores_da_funarte_ao_ministro_da_cultura_juca_ferreira-548559601.asp
http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2007/10/sistematizacao-musica-pnc.pdf
http://www.cultura.gov.br/site/2011/01/03/discurso-de-posse-da-ministra-da-cultura-ana-de-hollanda/
http://diversao.terra.com.br/arteecultura/noticias/0,,OI4910886-EI3615,00-Ministra+Ana+de+Hollanda+minimiza+retirada+do+Creative+Commons.html
http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/ingressos-mais-baratos-para-espetaculos-apoiados/
http://partidodacultura.blogspot.com/2011/02/1a-reuniao-oficial-do-pcult-no-senado.html
http://www.luisnassif.com/profiles/blogs/para-jose-de-abreu-substituto
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/05/11/dilma-tem-confianca-total-no-trabalho-de-ana-de-hollanda-diz-gilberto-carvalho-924438291.asp


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* Malu Aires é autora (compositora), intérprete, produtora fonográfica independente, organizadora e idealizadora do BH Indie Music.

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