segunda-feira, 6 de junho de 2011

De quem o MinC tem sido refém?

Na última semana, apresentei o ornograma do MinC com suas secretarias e pastas diversas, bem como sua origem política e representatividade no campo da produção criativa.
Quero começar meu pensamento de hoje com números, ou melhor, cifras.
O intuito é o de descobrir quais as verbas que circulam nos editais e programas do MinC e quais destes, são efetivamente destinados ao fomento criativo e a sustentabilidade do artista.

Vou começar com o número 161.152.616. 
São na ordem de 161 milhões, 152 mil, 616 reais os valores quitados pelo MinC de débitos deixados pela gestão de Juca Ferreira. Na sua maioria, destinados a Pontos, Pontões de Cultura, além de projetos de cultura digital e mídia livre.
Pelas contas do Minc, a dívida de 2009 e 2010 é de R$ 827 milhões, faltando destes, mais de R$660 milhões para fechar o rombo. 

Em 2011 o Fundo Nacional de Cultura terá R$326 milhões para destinar a projetos das áreas de cinema, dança, teatro, circo, música popular e erudita, artes plásticas, visuais e integradas. Sim, um orçamento três vezes menor do que é devido, em boa parte, à Cultura Digital.

O projeto que mais se alimenta das verbas do MinC, atualmente, se chama Cultura Viva. Foi o precursor da criação dos Pontos de Cultura, que por sua vez, criaram os Pontões para se articularem entre si e que se inter-comunicam com o projeto Teia, interligando a todos em rede. Daí, vem a grande parcela da comunidade digital diretamente ligada a estes projetos, oferecendo softwares livres para a criação de plataformas que, através da web, ofereçam acervo cultural público até a mais remota das cidades do interior do país.

Mas não é bem isso que vem acontecendo... o lugar parece ter sido tomado por jovens das classes A e B tornando o espaço virtual "muderno" e exclusivista. No conteúdo, não há nada de novo, além de réplicas de matérias de autores que ali concentram a informação dos seus próprios blogs. Onde está o acervo cultural que estes pontos já deveriam estar oferecendo a todo o país?
Por sua vez, os Pontos de Cultura se tornaram "berços" de gestores culturais, a nova nomenclatura pra já maldita sigla do maior vampiro cultural - o produtor de eventos.

Multiplicando-se como ervas-daninhas, os pontos se tornaram o principal veículo de descontentamento político, usando da estrutura operacional patrocinada pelo MinC para se comunicarem em rede com milhares de internautas, mobilizando-os em frentes de protestos constantes. Protestos estes que arrancaram cifras milionárias do MinC, este ano.
Alguns destes Pontos e Pontões outrora foram bares e casas de shows, ou seja, estabelecimentos mais que privados. Alguns, notoriamente "cults", onde o jovem pobre não entra mesmo.

Por outro lado, a FUNARTE e o Fundo Nacional de Cultura, conservam, ainda, alguma autonomia e ordem política. Contudo, em 2009/2010, os editais das áreas de música popular já sofriam pressão para mudanças onde os artistas de música (o profissional independente, pessoa física) não participassem diretamente dos Editas. Ganharam as produtoras de eventos (pessoas jurídicas) o benefício naqueles anos, deixando os artistas da música sem nenhum tostão.

A Lei Ruanêt, principal programa descentralizador e democrático do fomento à criação artística, vem sofrendo outro golpe: a centralização do patrocínio nas mãos dos atravessadores conhecidos no mercado como captadores de recursos. Para se ter uma idéia do monopólio, todos os 6 festivais de música da categoria popular patrocinados este ano pela Petrobrás, dialogam em parceria com os Pontos de Cultura, Pontões, Teia e Comunidade Digital. Assim também acontece com projetos patrocinados pela Vivo, levando-nos a pensar: que teia é essa armada?

Nos últimos anos, o MinC foi visivelmente manipulado por estes grupos que empregaram o conceito mídia livre para o aparelhamento do Creative Commons no Brasil, contando, inclusive, com propaganda desta editora internacional na própria página do MinC, para incentivar a cadeia criativa a ceder sobre seus direitos autorais.

É deste grupo, também, a bandeira da quebra do copyright para que pudessem usufruir de conteúdo livre em suas plataformas e dar à comunidade digital brasileira valor mercadológico global. Não tarde, esbarraram na classe de música e suas entidades representativas de direitos autorais. Para enfraquecê-las, atacaram o ECAD. Mas o intuito principal era, sem dúvida, a mudança na Lei de Direito Autoral, inclusive colaborando para a formulação de uma nova Lei que atendesse aos seus exclusivos interesses de difusão indiscriminada de conteúdo livre na rede.

Infelizmente o programa Cultura Viva é um dos mais importantes do MinC. Criado, sem dúvida, numa intenção singular de processo de democratização de cultura, mas desfigurado pela cobiça de quem viu ali um campo fértil de apropriação de verba pública sem a necessidade de apresentar propostas efetivas para a cultura. 

O MinC acabou criando um monstro, cujos chifres se auto-denominam "sociedade-civil" sem nenhuma ligação ou interesse com o estado comum e coletivo. Grupos que se vêem independentes das leis, dos direitos dos cidadãos brasileiros e do seu compromisso efetivo com a preservação do patrimônio artístico nacional. 

Antes do MinC ser criado, a cultura nacional era preservada pelos próprios artistas. Artistas que se desdobravam em tarefas múltiplas de produção, captação de recurso, gerência e atuação artística. Quando o MinC surgiu como possibilidade de uma política cultural nacional, os artistas deram emprego e foco aos produtores culturais. Estes sujeitos espertos, logo centralizavam para si o poder da captação da verba, do emprego da verba e, por fim, a responsabilidade principal pela miséria completa do artista, nos dias de hoje.

Há muitos anos, o MinC tem sido refém das sugestões de produtores culturais que cada vez mais, se distanciam dos artistas e da classe criadora, trazendo para perto de si, apenas aqueles artistas que se sujeitam às baixas remunerações e a nenhum questionamento desta exploração.
Por ironia, o MinC cria programas que estimulam o surgimento de milhares de novos profissionais da gestão cultural com o Cultura Viva. Perfil do gestor cultural: um empreendedor nato (aquele sujeito que sabe bem lidar com a grana). O cara que sabe fazer economia na cultura e esbanjar no entretenimento fútil que agrade ao seu grande patrocinador - patrono da sua mordomia fácil.

Não tarde, o novo MinC sentiu o cheiro podre desta classe que usurpou do artista nos últimos anos. Promete fechar a torneira deste desperdício de verba pública. E só assim, devolvendo a este profissional seu devido lugar na história da cultura nacional (aquele que faz tão somente o que o artista precisa para criar e viver da sua criação), a arte terá seu devido valor. Afinal, não cabe ao produtor cultural fazer a cultura. Convenhamos, ele não tem talento nato para isso.

Isso cabe apenas à nós - artistas criadores.

Esperamos agora, por políticas que efetivem o fazer arte. E que estas tragam a extinção definitiva dos nossos exploradores e daqueles que fizeram, nos últimos anos, o MinC refém.

O MinC não é ministério "cult", nem a cultura é digital. 
O MinC também não pode ser refém de uma sociedade civil de pouco mais de 2 mil membros (0,001% da população total do país) de um perfil no twitter. 
O MinC não é DCE universitário, nem a casa da "mãe Joana". 

O MinC é o ministério que atua na proteção do patrimônio histórico e cultural e na valorização de milhões de artistas para o sustento e manutenção da arte (o maior bem cultural que deixamos para um país). 

Na próxima semana, Ana de Hollanda será o tema deste blog. No final, quero chegar perto de uma resposta: será que a nova ministra da cultura é capaz de trazer o  Minc e suas políticas de encontro à proteção, valorização dos artistas e no combate à miséria instalada para o nosso setor?


fontes
http://www.cultura.gov.br/site/2008/10/17/apresentacao-de-projetos-culturais/
http://www.cultura.gov.br/culturaviva/restos-a-pagar-minc-honra-compromissos-dos-programas-cultura-viva-e-brasil-plural/
http://www.cultura.gov.br/culturaviva/cultura-viva/
http://www.teiacultural.com.br/
http://pontosdecultura.org.br/
http://foradoeixo.org.br/institucional/festivais-aprovados-no-petrobras-cultural
http://foradoeixo.org.br/meiodesligado/blog/projetos-culturais-patrocinados-pela-vivo-em-2011

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