segunda-feira, 13 de junho de 2011

Quem tem medo de Ana de Hollanda?

Na última semana, falamos sobre as verbas do MinC, seus projetos de fomento à produção criativa e sobre os jogos políticos entorno destas verbas. Como prometivo, nesta postagem falarei sobre Ana de Hollanda, a atual Ministra da Cultura.

Para chegarmos próximos à resposta de uma pergunta que toda a classe artística tem feito nos últimos meses: Será que a nova ministra da cultura é capaz de trazer o Minc e suas políticas de encontro à proteção, valorização dos artistas e no combate à miséria instalada para o nosso setor? - precisamos entender quem é Ana de Hollanda.

Vou buscar seu histórico administrativo na área da Cultura, mas também seu trabalho como artista. Claro que farei comparativos das políticas e dos Ministros anteriores para entendermos o por quê da sua gestão ter sido atacada logo na primeira semana da sua nomeação, após seu discurso de posse. À partir daí, vamos começar a entender quem tem medo de Ana de Hollanda.

Como artista Ana de Hollanda passeia nas áreas cênicas e de música. Atriz, diretora e dramaturga. Compositora, intérprete e diretora musical. Transita na interpretação e na criação. Ministrou cursos e oficinas de canto e interpretação. A competência é genética. De berço culto. Maior ainda, como artista que sou, sua humildade me inspira.
Ana de Hollanda poderia ter se fixado no Rio (berço das parcerias e da visibilidade do show business) e ter seguido carreira de trilhas sonoras de novelas da Globo, impulsionada pelo sucesso do seu irmão Chico Buarque. Mas, não. Voltou-se mais às políticas públicas de fomento e se misturou à gente. Dirigiu o Centro Cultural de São Paulo (1983 a 1985) e assumiu a Secretária de Cultura do município de Osasco/SP (1986 e 1988).

Foi à fonte do problema da cultura brasileira - as políticas públicas. E comprometeu sua carreira artística a promover mais cultura a todos e mais valor ao artista criador.

Entre 2003 e 2007, com a Funarte na presidência de Antônio Grassi, Ana de Hollanda dirigiu o Centro de Música da Funarte e reativou a função da casa que se encontrava em total abandono e descaso político. À partir da sua chegada, projetos de música como Pixinguinha foram retomados. Os Editais começaram a ser publicados para as áreas de música erudita e popular, contemplando, inclusive, diversos segmentos artísticos, além da música. Antônio Grassi e Ana de Hollanda compartilhavam do mesmo sentimento em relação à Funarte e a reergueram juntos.
À frente do Centro de Música da Funarte, Ana já começava a incomodar, quando apresentou o processo de construção da Câmara Setorial de Música, em 2005. O plano visava a criação de uma cultura institucional do Estado de garantia dos Direitos do Autor.
Dentre as propostas, a criminalização da inadimplência de TV´s e rádios que não obedeciam a Lei do Direito Autoral com penas, inclusive, de perda da concessão. Pedia, também, maior rigor no combate à pirataria. E exigia do estado a responsabilidade de educar o povo brasileiro quanto ao respeito do Direito Autoral. Claro, não poderia durar muito sua administração.
Subordinados à Gil (o ministro das turnés internacionais, mais presente em palco que palanque) se tornava nítida a dissonância entre o discurso da Funarte e o discurso do MinC.
Então, em dezembro de 2006 Antônio Grassi é demitido por Gilberto Gil (ainda Ministro da Cultura) num ato covarde e anti-ético - soube Grassi da sua demisssão através da imprensa.
Com a demissão de Antônio Grassi, Ana de Hollanda deixa o cargo por ética, já que havia sido convidada ao cargo, por Grassi. E o programa Câmara Setorial de Cultura coordenado por ela, ficaria, então esquecido no papel.
A conturbada decisão de Gil traz insatisfação em todo o órgão que, em seguida entra em greve trazendo problemas sérios para seu presidente indicado por Gil, Celso Frateschi que pede demissão menos de 1 ano depois de assumir o cargo. Motivo? Em nota à imprensa ele diz: "Quando a gente tem um superior em quem a gente não tem tanta confiança, a gente pede demissão" - se referindo ao Ministro Juca Ferreira. Mas um escândalo, onde a companhia de teatro que ele fundou em São Paulo havia conseguido, em 6 dias, aprovação do MinC para captação de verba, além da Carta dos Servidores da Funarte pedindo "socorro" ao Ministro, teriam sido os reais motivos da sua saída.

Enquanto isso, o Ministro Juca Ferreira, sucessor e ex-secretário de Gilberto Gil (ambos PV), estava muito mais preocupado com a tal comunidade digital, Creative Commons, produtores culturais que qualquer outra coisa. Desestabilizar o processo da Funarte foi só um recado àqueles que queriam trabalhar em comunhão com os desejos da classe artística. Por intermédio dos assessores de imprensa disseram: Caso encerrado.

Assim levou-se a re-edição da Lei de Direito Autoral, sem questionar qualquer artista criador, à Casa Civil, no final de 2010. Um projeto arbitrário e de entendimento confuso que dava margem à apropriação indevida de obras, através da decisão soberana do Estado, confiscando-as, inclusive, de herdeiros e titulares.

Tal qual o projeto de revisão de lei, a manobra tinha um patrono coletivo que se denominava sociedade civil organizada, gestores culturais, comunidade digital, todos resumidos a uma única sigla - PCult . Marchando virtualmente, articulando-se por todo o país, a sigla que não merecia um tratamento de partido político, fazia política coletiva agregando deputados e senadores de vários partidos. A troca era clara: comprometam-se a colocar em pauta nossas exigências e promoveremos seus nomes em campanha. Assim foi com Juca Ferreira. A campanha #ficaJuca começou assim que Dilma foi eleita. Por trás da campanha, militantes aparelhados do PCult.

Quando em janeiro de 2011, Dilma Rousseff anuncia Ana de Hollanda para a pasta, o banho de água fria despertava a ira daqueles que trabalharam anos para manipularem o MinC como bem quisessem. As portas do "empoderamento do PCult e seus coletivos afiliados" estariam fechadas e novas políticas já se estabeleciam logo aos seus primeiros atos, logo em seu discurso de posse:
"Tudo bem que muita gente se contente em ficar apenas deslizando o olhar pela folhagem do bosque. Mas a folhagem e as florações não brotam do nada. Na base de todo o bosque, de todo o campo da cultura, está a criatividade. Está a figura humana e real da pessoa que cria. Se anunciamos tantos projetos e tantas ações para o conjunto da cultura, se aceitamos o princípio de que a cultura é um direito de todos, se realçamos o lugar da cultura na construção da cidadania e no combate à violência, não podemos deixar no desamparo, distante de nossas preocupações, justamente aquele que é responsável pela existência da arte e da cultura. (...) Mas, volto a dizer, e vou insistir sempre: com a criação no centro de tudo. A criação será o centro do sistema solar de nossas políticas culturais e do nosso fazer cotidiano. Por uma razão muito simples: não existe arte sem artista."

O ameaçador discurso fazia rugir os leões que temem Ana de Hollanda. Todos espremidos numa mesma arena centralizadora das mobilizações de imobilização do MinC - o PCult.

E COMEÇA A LUTA...

1º ROUND - CREATIVE COMMONS
Em seu primeiro ato, Ana de Hollanda retira a propaganda do Creative Commons do site do Minc, substituindo o selo CC pelos dizeres: "Licença de Uso: O conteúdo deste site, vedado o seu uso comercial, poderá ser reproduzido desde que citada a fonte, excetuados os casos especificados em contrário e os conteúdos replicados de outras fontes."
Legalmente, mais apropriado ( inclusive por abrigar conteúdo de terceiros), o MinC não poderia usar de uma licença única para todo o seu conteúdo. A retirada do selo Creative Commons é o primeiro nocaute nos articuladores do PCult.
"O dono da obra, o autor, escolhe qual a forma para ceder ou não sua obra. Pode liberar sem custos, permitir para um uso específico. Isso depende do autor e ninguém vai ser impedido de usar. Quem usava vai continuar usando, sem problema nenhum." - responde Ana de Hollanda às primeiras críticas. E ela estava certa. Em Lei o autor autoriza a liberação da sua obra como quiser, sem precisar do selo Creative Commons para tal.
Neste episódio, circulou na rede sua demissão que dava lugar a Tom Zé na pasta com a campanha: "Agora é pra valer: Tom Zé no Ministério da Cultura". Uma brincadeira sem graça e oportunista, descredibilizada pelo próprio Tom Zé após ser acordado em plena madrugada por meia dúzia de desocupados que gritravam seu nome em frente ao seu prédio em São Paulo: "Soube dessa pilhéria agora e fui dormir", disse o artista.
2º ROUND - REFORMA DA LEI ROUANET
Sobre a Reforma da Lei Ruanet, foi enfática: “Favorecia muito mais o produtor e o patrocinador do que o público.”
E resolve tirar o projeto de reforma da Lei Rouanet da gaveta de Juca Ferreira e levá-lo adiante.
Como reflexo, outro golpe: o caso Bethânia tiraria o foco do debate da ministra para um possível desvio de conduta - o do favorecimento de artistas consagrados em sua gestão. Tá, como se Bethânia fosse a primeira artista consagrada na história da Rouanet a aprovar projeto de captação.
3º ROUND - REFORMA DA LEI DE DIREITOS AUTORAIS
Ana de Hollanda entra na Casa Civil e retira o projeto da mesa para nova revisão da revisão sugerida por Juca com apoio do PCult. Convoca juristas e artistas para leitura aprofundada do texto e decreta nova revisão. Eu, particularmente, disse comigo mesma: graças à Deus!
Imediatamente, uma campanha na internet intitulada #ForaAna mobilizava pontos de cultura, fóruns e coletivos. Até o nome de Dilma Rousseff entra na nova pilhéria e rumores na imprensa começam a circular a falsa informação de que a Presidente estava descontente com a ministra.
Compraram a campanha os veículos da Globo, principal acusada num processo milionário de inadimplência movido pelo ECAD.
Claro que o ECAD seria a seguinte vítima dos articuladores da campanha #ForaAna. E o PCult se reúne com o Senador Randolfo Rodrigues (PSol) para a abertura de uma CPI contra o ECAD.
Denúncias de que a Ministra estaria privilegiando o órgão não demoraram a despontar na língua de jornalistas como Luis Nassif autor de postagens como esta pelo O Globo:
Ana de Hollanda nomeia advogada ligada a representante do Ecad para o MinC e indica que vai abandonar a reforma da lei de direito autoral

É dele a mais dura campanha pelo O Globo para desmoralizar o Minc e sua atual gestão.
Mas não só jornalistas como ele embarcaram na caravana do sucesso. Ou seria, do sucessor. O ator José de Abreu comprou a briga até o fim da farra. Queria a pasta, a presidência da Funarte, a Secretaria Executiva e virou casaca declarando, publicamente, sua retirada de apoio à Ministra.
Logo chegaram denúncias de uso indevido de verba. Seria o uso indevido de diárias para finais de semana em que a ministra não estaria trabalhando no Rio (cidade onde reside hoje). Por maldade articulada, a denúncia chegaria aos jornais num final de semana, pegando a ministra em casa. Será que ela não trabalhou, assim que abriu os jornais? Claro que sim, mas devolveu todas as diárias enquanto esteve no Rio, mesmo trabalhando informalmente.
E, enquanto os holofotes centravam nas denúncias da mídia, na luta por cargos entre petistas como José de Abreu, eis que Dilma chega e põe fim à pilhéria coletiva após um lastimável episódio reproduzido na íntegra por dezenas de veículos de todo o pais: Criticada, Ana de Hollanda deixa Assembleia (Legislativa de São Paulo) sob escolta.
No momento em que a ministra se propõe ao debate presencial com a classe artística paulista, a articulação dos desajustados promoviam um confronto digno de novela política italiana.

Foram meses turbulentos, onde qualquer executivo de cargo público mais frágil teria pedido demissão e saído pela porta dos fundos. Mas não Ana. Encarou denúncias, enfrentou os leões, os baderneiros, os produtores culturais, O Globo, manifestantes ensaiados no empurra-empurra e saiu da cena. Não por muito tempo, não sem abaixar a cabeça para se proteger dos desajustados mentais que a esperavam para uma boa foto de humilhação pública, tal qual na música Geni.

Se Ana de Hollanda, a primeira mulher ministra da cultura, aguentará o jogo sujo da política que hoje vaza de cá pra lá também, não saberia responder. Eu  talvez tivesse desistido - era o que pensava enquanto me colocava em seu lugar no final do terceiro round, antes da classe artística acordar e começar a manifestar apoio à ministra publicamente. Afinal, ela estava nessa briga por nós.
Se seu trabalho será concluído afim de nos mostrar um panorama do que sua gestão pode nos provar em competência, com o tempo que o poder lhe garantir em exercício de trabalho, só o próprio tempo poderá responder.
Se a luta na arena terminou? Ah, tenho certeza que não. Enquanto ela mostrar empenho em mudanças significativas para a classe criadora, sua paz será diariamente ameaçada.

Um sentimento tenho: se Ana fica, a política cultural tem uma séria promessa de renovação.
Se Ana cair, os leões farão seu banquete completo, mais dia, menos dia. Nós artistas, somos o prato principal.

Uma súplica democrática deixo aqui: DEIXEM A MULHER TRABALHAR, CAMBADA DE VAGABUNDO!
Desculpem o desabafo, mas situações cínicas como estas, me tiraram o sono, a esperança na democracia e a paciência, nos últimos meses.

Na próxima semana falarei mais sobre a Lei de Direitos Autorais e sobre sua reforma. Por que queriam modificar uma Lei, antes mesmo de trabalharem a conscientização dos jovens autores sobre seus direitos através dela? Interessante pergunta, não?



Fontes:

http://www.alomusica.com/entrevista/ana+de+hollanda.shtml
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2008/10/06/celso_frateschi_deixa_funarte_dizendo_que_seu_compromisso_era_com_gil-548575787.asp
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2008/10/05/leia_manifesto_enviado_por_servidores_da_funarte_ao_ministro_da_cultura_juca_ferreira-548559601.asp
http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2007/10/sistematizacao-musica-pnc.pdf
http://www.cultura.gov.br/site/2011/01/03/discurso-de-posse-da-ministra-da-cultura-ana-de-hollanda/
http://diversao.terra.com.br/arteecultura/noticias/0,,OI4910886-EI3615,00-Ministra+Ana+de+Hollanda+minimiza+retirada+do+Creative+Commons.html
http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/ingressos-mais-baratos-para-espetaculos-apoiados/
http://partidodacultura.blogspot.com/2011/02/1a-reuniao-oficial-do-pcult-no-senado.html
http://www.luisnassif.com/profiles/blogs/para-jose-de-abreu-substituto
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/05/11/dilma-tem-confianca-total-no-trabalho-de-ana-de-hollanda-diz-gilberto-carvalho-924438291.asp


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* Malu Aires é autora (compositora), intérprete, produtora fonográfica independente, organizadora e idealizadora do BH Indie Music.

O blog "política e pensamento" será re-publicado no blog BH Indie Music. É proibida sua reprodução (integral ou parcial) sem a autorização expressa da autora deste blog.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

De quem o MinC tem sido refém?

Na última semana, apresentei o ornograma do MinC com suas secretarias e pastas diversas, bem como sua origem política e representatividade no campo da produção criativa.
Quero começar meu pensamento de hoje com números, ou melhor, cifras.
O intuito é o de descobrir quais as verbas que circulam nos editais e programas do MinC e quais destes, são efetivamente destinados ao fomento criativo e a sustentabilidade do artista.

Vou começar com o número 161.152.616. 
São na ordem de 161 milhões, 152 mil, 616 reais os valores quitados pelo MinC de débitos deixados pela gestão de Juca Ferreira. Na sua maioria, destinados a Pontos, Pontões de Cultura, além de projetos de cultura digital e mídia livre.
Pelas contas do Minc, a dívida de 2009 e 2010 é de R$ 827 milhões, faltando destes, mais de R$660 milhões para fechar o rombo. 

Em 2011 o Fundo Nacional de Cultura terá R$326 milhões para destinar a projetos das áreas de cinema, dança, teatro, circo, música popular e erudita, artes plásticas, visuais e integradas. Sim, um orçamento três vezes menor do que é devido, em boa parte, à Cultura Digital.

O projeto que mais se alimenta das verbas do MinC, atualmente, se chama Cultura Viva. Foi o precursor da criação dos Pontos de Cultura, que por sua vez, criaram os Pontões para se articularem entre si e que se inter-comunicam com o projeto Teia, interligando a todos em rede. Daí, vem a grande parcela da comunidade digital diretamente ligada a estes projetos, oferecendo softwares livres para a criação de plataformas que, através da web, ofereçam acervo cultural público até a mais remota das cidades do interior do país.

Mas não é bem isso que vem acontecendo... o lugar parece ter sido tomado por jovens das classes A e B tornando o espaço virtual "muderno" e exclusivista. No conteúdo, não há nada de novo, além de réplicas de matérias de autores que ali concentram a informação dos seus próprios blogs. Onde está o acervo cultural que estes pontos já deveriam estar oferecendo a todo o país?
Por sua vez, os Pontos de Cultura se tornaram "berços" de gestores culturais, a nova nomenclatura pra já maldita sigla do maior vampiro cultural - o produtor de eventos.

Multiplicando-se como ervas-daninhas, os pontos se tornaram o principal veículo de descontentamento político, usando da estrutura operacional patrocinada pelo MinC para se comunicarem em rede com milhares de internautas, mobilizando-os em frentes de protestos constantes. Protestos estes que arrancaram cifras milionárias do MinC, este ano.
Alguns destes Pontos e Pontões outrora foram bares e casas de shows, ou seja, estabelecimentos mais que privados. Alguns, notoriamente "cults", onde o jovem pobre não entra mesmo.

Por outro lado, a FUNARTE e o Fundo Nacional de Cultura, conservam, ainda, alguma autonomia e ordem política. Contudo, em 2009/2010, os editais das áreas de música popular já sofriam pressão para mudanças onde os artistas de música (o profissional independente, pessoa física) não participassem diretamente dos Editas. Ganharam as produtoras de eventos (pessoas jurídicas) o benefício naqueles anos, deixando os artistas da música sem nenhum tostão.

A Lei Ruanêt, principal programa descentralizador e democrático do fomento à criação artística, vem sofrendo outro golpe: a centralização do patrocínio nas mãos dos atravessadores conhecidos no mercado como captadores de recursos. Para se ter uma idéia do monopólio, todos os 6 festivais de música da categoria popular patrocinados este ano pela Petrobrás, dialogam em parceria com os Pontos de Cultura, Pontões, Teia e Comunidade Digital. Assim também acontece com projetos patrocinados pela Vivo, levando-nos a pensar: que teia é essa armada?

Nos últimos anos, o MinC foi visivelmente manipulado por estes grupos que empregaram o conceito mídia livre para o aparelhamento do Creative Commons no Brasil, contando, inclusive, com propaganda desta editora internacional na própria página do MinC, para incentivar a cadeia criativa a ceder sobre seus direitos autorais.

É deste grupo, também, a bandeira da quebra do copyright para que pudessem usufruir de conteúdo livre em suas plataformas e dar à comunidade digital brasileira valor mercadológico global. Não tarde, esbarraram na classe de música e suas entidades representativas de direitos autorais. Para enfraquecê-las, atacaram o ECAD. Mas o intuito principal era, sem dúvida, a mudança na Lei de Direito Autoral, inclusive colaborando para a formulação de uma nova Lei que atendesse aos seus exclusivos interesses de difusão indiscriminada de conteúdo livre na rede.

Infelizmente o programa Cultura Viva é um dos mais importantes do MinC. Criado, sem dúvida, numa intenção singular de processo de democratização de cultura, mas desfigurado pela cobiça de quem viu ali um campo fértil de apropriação de verba pública sem a necessidade de apresentar propostas efetivas para a cultura. 

O MinC acabou criando um monstro, cujos chifres se auto-denominam "sociedade-civil" sem nenhuma ligação ou interesse com o estado comum e coletivo. Grupos que se vêem independentes das leis, dos direitos dos cidadãos brasileiros e do seu compromisso efetivo com a preservação do patrimônio artístico nacional. 

Antes do MinC ser criado, a cultura nacional era preservada pelos próprios artistas. Artistas que se desdobravam em tarefas múltiplas de produção, captação de recurso, gerência e atuação artística. Quando o MinC surgiu como possibilidade de uma política cultural nacional, os artistas deram emprego e foco aos produtores culturais. Estes sujeitos espertos, logo centralizavam para si o poder da captação da verba, do emprego da verba e, por fim, a responsabilidade principal pela miséria completa do artista, nos dias de hoje.

Há muitos anos, o MinC tem sido refém das sugestões de produtores culturais que cada vez mais, se distanciam dos artistas e da classe criadora, trazendo para perto de si, apenas aqueles artistas que se sujeitam às baixas remunerações e a nenhum questionamento desta exploração.
Por ironia, o MinC cria programas que estimulam o surgimento de milhares de novos profissionais da gestão cultural com o Cultura Viva. Perfil do gestor cultural: um empreendedor nato (aquele sujeito que sabe bem lidar com a grana). O cara que sabe fazer economia na cultura e esbanjar no entretenimento fútil que agrade ao seu grande patrocinador - patrono da sua mordomia fácil.

Não tarde, o novo MinC sentiu o cheiro podre desta classe que usurpou do artista nos últimos anos. Promete fechar a torneira deste desperdício de verba pública. E só assim, devolvendo a este profissional seu devido lugar na história da cultura nacional (aquele que faz tão somente o que o artista precisa para criar e viver da sua criação), a arte terá seu devido valor. Afinal, não cabe ao produtor cultural fazer a cultura. Convenhamos, ele não tem talento nato para isso.

Isso cabe apenas à nós - artistas criadores.

Esperamos agora, por políticas que efetivem o fazer arte. E que estas tragam a extinção definitiva dos nossos exploradores e daqueles que fizeram, nos últimos anos, o MinC refém.

O MinC não é ministério "cult", nem a cultura é digital. 
O MinC também não pode ser refém de uma sociedade civil de pouco mais de 2 mil membros (0,001% da população total do país) de um perfil no twitter. 
O MinC não é DCE universitário, nem a casa da "mãe Joana". 

O MinC é o ministério que atua na proteção do patrimônio histórico e cultural e na valorização de milhões de artistas para o sustento e manutenção da arte (o maior bem cultural que deixamos para um país). 

Na próxima semana, Ana de Hollanda será o tema deste blog. No final, quero chegar perto de uma resposta: será que a nova ministra da cultura é capaz de trazer o  Minc e suas políticas de encontro à proteção, valorização dos artistas e no combate à miséria instalada para o nosso setor?


fontes
http://www.cultura.gov.br/site/2008/10/17/apresentacao-de-projetos-culturais/
http://www.cultura.gov.br/culturaviva/restos-a-pagar-minc-honra-compromissos-dos-programas-cultura-viva-e-brasil-plural/
http://www.cultura.gov.br/culturaviva/cultura-viva/
http://www.teiacultural.com.br/
http://pontosdecultura.org.br/
http://foradoeixo.org.br/institucional/festivais-aprovados-no-petrobras-cultural
http://foradoeixo.org.br/meiodesligado/blog/projetos-culturais-patrocinados-pela-vivo-em-2011

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O que é o MinC



MinC é a sigla pela qual conhecemos o Ministério da Cultura. A pasta foi criada em 1985 no governo de José Sarney na era pós-ditadura política.
Antes disso, atrelava-se a gestão da cultura ao Ministério da Educação e Cultura (MEC). 
Nesta época o governo assume ser incapaz de administrar o complexo educacional do pais e, ao mesmo passo, proporcionar uma política cultural de expressão consistente.  O DECRETO N.º 91.144, DE 15 DE MARÇO DE 1985, cria o Ministério da Cultura com as seguintes áreas de competência: letras, artes, folclore e outras formas de expressão da cultura nacional; patrimônio histórico, arqueológico, artístico e cultural. 
Foram transferidos para o Ministério da Cultura os seguintes órgãos e entidades: 
I  - Conselho Federal de Cultura  - CFC, criado em 21 de novembro de 1966; 
lI - Conselho Nacional de Direito Autoral - CNDA, criado em 14 de dezembro de 1973; 
III - Conselho Nacional de Cinema - CONCINE, criado em 16 de março de 1976; 
IV - Secretaria da Cultura, criada em 10 de abril de 1981; 
V - Empresa Brasileira de Filmes S/A - EMBRAFILME, criada em 12 de setembro de 1969; 
VI - Fundação Nacional de Arte  - FUNARTE, criada em 16 de dezembro de 1975; 
VII  - Fundação Nacional Pró-Memória  - PRÓ-MEMÓRIA, criada em 17 de dezembro de 1979; 
VIII  - Fundação Casa de Rui Barbosa, criada em 6 de abril de 1966; 
IX - Fundação Joaquim Nabuco, criada em 21 de julho de 1949. 

De 1985 para cá, houveram muitas tranformações no órgão. Collor tranforma o Ministério em Secretaria, diretamente vinculada à Presidência da República - ação desfeita em decreto, dois anos depois. É criada mais uma Medida Provisória reestruturando o órgão em 1998 e, finalmente, o DECRETO Nº 5.036, DE 7 DE ABRIL DE 2004 estabelece nova estrutura organizacional do Ministério da Cultura.

Atualmente, o MinC atua com os seguintes órgãos específicos:
a) Secretaria de Políticas Culturais – SPC;
b) Secretaria do Audiovisual – SAV;
c) Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural – SID;
d) Secretaria de Articulação Institucional – SAI;
e) Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura – SEFIC;
f)Secretaria de Cidadania Cultural – SCC

Representações Regionais:
a) Conselho Nacional de Política Cultural - CNPC; e
b) Comissão Nacional de Incentivo à Cultura - CNIC;

Entidades vinculadas:
a) autarquias:
1. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN; 
2. Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM;
3. Agência Nacional do Cinema - ANCINE;

b) fundações:
1. Fundação Casa de Rui Barbosa - FCRB;
2. Fundação Cultural Palmares - FCP;
3. Fundação Nacional de Artes - FUNARTE; 
4. Fundação Biblioteca Nacional - BN.

A função de todos estes órgãos, fundações e autarquias é a de administrar  a política nacional de cultura, a proteção do patrimônio histórico e cultural e a de dar assistência e acompanhamento ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e ao INCRA nas ações de regularização fundiária para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Com trabalho voltado à preservação, memória e arquivo público, o MinC estabelece poucos projetos ligados ao estímulo da criação, bem como para a difusão de uma economia criativa no país. 
As ações ainda são centradas em práticas burocráticas e organizacionais dos tempos de MEC, onde, ainda hoje, se colidem com interesses da educação. 
São do MinC as responsabilidades acerca da proteção do patrimônio histórico e cultural. Mas nesta função, o MinC organiza, cataloga e expõe, mais que incentiva e estimula a criação.
Algumas ações como a de estímulo à leitura são organizadas junto ao Ministério da Educação (MEC) e o MinC vem atuando como apoio ao MEC, mais que em parceria recíproca.
Projetos voltados para que a escola fomente aos seus alunos a freqüência em museus e teatros, por exemplo, não são pauta importante ao MEC que é incapaz de propor políticas eficazes de remuneração de professores, manutenção e aparelhamento de escolas e faculdades públicas, ou de dar o mínimo de estrutura educacional ao país. Sem educação, não se compreende a cultura e o papel do MinC se assemelha mais a Don Quixote contra os moinhos de vento, fabricando novos livros para quem não os lê, patrocinando espetáculos para platéias analfabetas e mantendo museus às moscas.

Não tenho a intenção, por hora, de falar mais sobre o MEC e seu papel inábil no Estado. Mas, para termos uma idéia, prevê-se um orçamento em 2011 de mais de R$3 bilhões que, nós, brasileiros, não veremos refletir em resultados para o nível educacional do nosso país.

Os recursos repassados ao MinC em 2011 serão de cerca de R$2,2 bilhões, sendo destes, R$ 827 milhões de dívidas de projetos de 2010. Tirando o custo administrativo do órgão (pessoal, dívida, precatório) de quase R$500 milhões, sobrarão para os projetos do MinC R$873 milhões, mais R$326 milhões do Fundo Nacional de Cultura (FNC).
Não me esqueci da Lei Rouanêt que gera cerca de R$1 bilhão/ano para a produção de artes no país, mas que não entra nessa conta porque o recurso vem do setor privado e não do orçamento da União. 

Ainda com corte de verba, dívidas de gestões passadas, o MinC pretende dar continuidade aos projetos criados nas gestões Gil e Juca e abrir editais para a ampliação destes projetos em 2011. Mas a conta não parece fechar.

Na próxima semana, vou destrinchar o caminho das verbas do MinC. Catalogar seus programas para 2011 e as verbas destinadas a cada um deles para que possamos compreender melhor o papel do Estado no fomento à cultura do nosso país.
Pelo panorama postado até aqui, a política nacional de cultura é de responsabilidade financeira do setor privado, mais que do Estado - um quadro cada vez mais grave. 
Mas o mais importante a descobrir é: de quem o MinC tem sido refém?

A resposta demanda de ainda mais pesquisa e tempo para conseguirmos entender aonde estão os equívocos do sistema e onde projetar nossas idéias de acertos possíveis para o desenvolvimento do nosso setor.
Então, até a próxima semana.


por Malu Aires


Fontes:
DECRETO N.º 91.144, DE 15 DE MARÇO DE 1985
http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2007/09/decreto-criacao-minc.pdf
DECRETO Nº 5.036, DE 7 DE ABRIL DE 2004
http://www.dji.com.br/decretos/2004-005036/2004-005036.htm#Art. 7º
MinC
http://www.cultura.gov.br

Minha foto

* Malu Aires é autora (compositora), intérprete, produtora fonográfica independente, organizadora e idealizadora do BH Indie Music.

O blog "política e pensamento" será re-publicado no blog BH Indie Music. É proibida sua reprodução (integral ou parcial) sem a autorização expressa da autora deste blog.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

apresentação

Todas as semanas eu prometo escrever nesse blog, sempre às segunda-feiras, sobre políticas culturais.
Diretamente ligados à classe artística e de enorme interesse dos artistas independentes, os temas vão de encontro a muitas informações que não achamos na internet, senão com muito trabalho e pesquisa.
Vou conversar com pessoas interessantes e inteligentes, buscar fontes sérias e de conteúdo confiável na web, transcrever trechos de livros, editoriais, leis, acordos internacionais vigentes e trazer assuntos interessantíssimos pro nosso fazer e pensar arte e arte independente.
Pensei nestes, aceito sugestões:
O que é MinC?
Quem é Ana de Hollanda?
O que é Incentivo à Cultura e quais suas leis e editais no país?
O que é cultura e o que é arte?
O que é Propriedade Intelectual e Direito Autoral?
O que é a Lei de Direitos Autorais?
Quais as mudanças em sua re-edição?
O que é execução pública?
O que é ECAD?
Como se filiar e como cadastrar sua obra no ECAD?
Como trabalhar com o ECAD?
O que é edição?
Como abrir uma editora?
Como participar da exploração comercial da sua obra no ambiente digital?
Quais os setores de tv e radiodifusão no Brasil e a postura destes frente o direito do autor?
Qual a atuação do Ministério das Telecomunicações nestes setor?
A midia digital e as Telecomunicações.
Quais as regulamentações estudas para o setor digital?
O que é comunidade digital?
Quais as plataformas digitais para o mercado de música e sua operabilidade?
Qual a importância dos veículos digitais frente a mídia convencional?
O que seria cultura digital?
O mercado independente do Brasil.
O papel dos festivais no mercado  independente do Brasil?
Quem são os patrocinadores de música no país?
O papel da política para o desenvolvimento artístico.
O papel do artista na Cultura.
O papel do artista na Política.

Acho que será uma experiência bem divertida e polêmica. Que fará pensar e agir.




* Malu Aires é autora (compositora), intérprete, produtora fonográfica independente, organizadora e idealizadora do BH Indie Music.

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